Era pra ser um dia como outro qualquer, em que uma criança perde um dos tantos dentes de leite que tem na boca. Mas a vida quis diferente e me mostrou, mais uma vez, como dar voz às crianças e conversar com elas sobre todos os assuntos, é o melhor caminho para construir valores
No início dessa semana meu menino de 6 anos perdeu seu terceiro dente de leite. Após inúmeras tentativas de extraí-lo das maneiras mais pré-históricas possíveis, finalmente o pequeno dente se rendeu e ele feliz da vida veio nos mostrar mais uma fresta na enorme janelinha que se encontra em sua boca.
Na hora de dormir, como de praxe em dias como este, o dentinho foi parar debaixo do travesseiro, para que durante a noite fosse resgatado pela tão aguardada fada do dente.
O dia raiou e logo ele veio correndo nos contar todo contente que a fada do dente havia passado e esta vez havia sido muito mais generosa do que as anteriores. Ao invés de 1, ela havia lhe deixado 3 moedinhas de R$1,00.
Pois bem. Com a fortuna em mãos, começamos a conversar sobre o que ele gostaria de comprar e se realmente valia gastar o dinheiro já naquele dia ou guardar até juntar mais um pouquinho e aí então comprar algo que realmente precisasse ou quisesse. Convencido de que precisava gastar o dinheiro naquele dia, fomos até a banca mais próxima a procura de figurinhas para o álbum dos gogos. (Os gogos pra quem não sabe – eu demorei meses pra entender o que eram – são mini personagens de plástico (eu acho) dos desenhos Disney e afins, que já há algum tempo são uma febre entre a molecada, que coleciona, troca e inventa os mais diversos jogos com os pequenos mascotes)
Chegando lá, no entanto, fomos surpreendidos com a notícia de que não sei quantos (poucos) meses após o lançamento do tal álbum, este já havia “saído de linha” e não haviam mais figurinhas para vender. Na realidade, não é que o álbum deixou de existir. Claro que não. O álbum havia sido substituído por outro e agora só haviam figurinhas desta nova edição, o que obviamente nos colocava na situação de ter de comprar esta nova edição – série 2, segundo meu filho – e recomeçar a busca incansável por figurinhas não repetidas até completá-lo. Os caras são geniais, não é mesmo?
Bom, o álbum novo custava uns R$30,00 eu acho. O crédito da fada do dente era R$3,00. Resultado: frustração imediata no estilo meu mundo caiu e uma avalanche de argumentos para tentar me convencer de que ele PRECISAVA ter o novo álbum. A resposta foi não. Disse que além dele não precisar de mais um álbum de figurinhas, não seria possível, pois não tínhamos dinheiro suficiente e sugeri que ele levasse o pacotinho mesmo assim e colasse as figurinhas no antigo álbum. O pacote vem com 2 figurinhas e um gogo, portanto, ponderei que o que importava era a brincadeira e ganhar um novo bonequinho, que ele poderia trocar com os amigos e amentar sua pequena coleção. Demorou um pouco, mas logo encerramos a discussão e trouxemos o pacotinho da nova série gogos pra casa.
Ainda inconformado, meu menino recomeçou a conversa sobre o porquê não comprar o álbum e achei que era uma ótima oportunidade pra falar abertamente sobre a sacanagem que reina no mundo infantil. Na verdade no mundo em geral, mas no mundo infantil é pesado. Falei abertamente sobre as propagandas abusivas, sobre o massacre diário da mídia e da indústria dos brinquedos e afins, e especialmente sobre como não podemos nos render assim tão facilmente a tudo que querem nos enfiar goela abaixo. Lá pelas tantas (porque falo pouco! #sqn), ele vira pra mim e diz:
– Mamãe, bom mesmo é o necessário, o excesso faz mal. Não quero mais esse álbum, vou brincar com o que eu tenho e criar um outro álbum pras figurinhas repetidas !
Nem preciso dizer que quase caí pra trás de tão surpresa e orgulhosa da conclusão do meu pequeno, né? Não achava que o meu discurso todo inflamado e politicamente correto teria um efeito assim tão imediato e muito menos transformaria o meu menino de 6 anos em um homem de 30, em apenas 10 minutos. Rs! #sóquenão.
Curiosa, perguntei:
-Filho, que bacana. É isso aí. Como você chegou a essa conclusão?
E ele com a carinha mais linda e sábia do mundo me respondeu:
-Ouvi no filme Mogli, mamãe. É isso que o Balu sempre fala pro Mogli.
Sorri e percebi que ele tinha captado a essência da nossa conversa com muito mais profundidade, sabedoria e simplicidade do que eu imaginava. E o desenho que já estava entre os meus favoritos, subiu pro primeiro lugar da lista.
Chegamos em casa e fui correndo procurar o desenho pra ver em que momento Balu e Mogli tinham essa conversa tão profunda. Descobri, mais fascinada ainda, que embora a frase não fosse exatamente essa, meu moleque tinha entendido direitinho o que o urso bonachão tentava explicar a Mogli e foi capaz de traduzir com perfeição as entrelinhas do nosso diálogo e o que estávamos vivendo ali.
No filme, Balu canta pra Mogli:”Eu uso o necessário, somente o necessário. O extraordinário é demais”. Me apaixonei de vez por Mogli e me convenci, mais uma vez, da importância das mensagens passadas pras nossas crianças.
6 anos e uma oportunidade encantadora de refletir sobre o que realmente importa na vida. Meu desejo de que essa sensibilidade só aumente e lhe proporcione uma enorme capacidade de fazer boas escolhas e ter senso crítico, sempre.
Cada dia que passa percebo que as pessoas tem se preocupado cada vez mais com o tema consumo consciente e isso é um grande alívio.
Mudar os hábitos e quebrar paradigmas é mais do que necessário. É essencial para contribuirmos para a formação dos nossos filhos e pra um planeta mais agradável e acolhedor.
Moral da história: só tenho a agradecer a Panini e a sua estratégia caça-níquel pela oportunidade que nos deu de aprender o quão bom é o necessário 🙂 E que a sabedoria das crianças esteja sempre em nós!
Beijos
meu comentario enviei pelo face.