Do que a criança do século XXI necessita?

Os meus poucos anos como mãe vem me mostrando diariamente que se há algo inerente às crianças é a capacidade de brincar. Seja com as tampas das nossas “tupperware” ou com o avião supersônico do último filme de ação lançado no cinema, as crianças sempre encontram um jeito de transforma a realidade em um universo repleto de imaginação.

Brincar é uma arte. E as crianças nascem com o dom de realizá-la com perfeição. Só é preciso permitir que o façam com liberdade.

Brincando as crianças criam situações, exploram possibilidades, experimentam sensações, erram, repetem e aprendem. Brincando livremente as crianças crescem e tornam-se adultos seguros, capazes e autônomos.

E mesmo vivendo em uma era repleta de tecnologia e informação, vocês hão de concordar com a gente que há coisas que jamais deixarão de fazer aqueles pequenos olhinhos brilharem de felicidade, não é mesmo? Pois bem, brincar é uma delas. E quando falamos em brincar, estamos nos referindo, especialmente, àquela forma simples de antigamente, quando brincadeira era na grande maioria das vezes sinônimo de correr, pular, esconder, encontrar, pegar e se deixar pegar .. com algumas poucas variações do tema, é verdade, mas com certeza com muita diversão.

Precisamos refletir, dar um passo pra trás na aceleração do mundo e um olhar mais carinhoso para a infância. Deixemos as crianças mais livres para criar suas próprias brincadeiras. Não nos apeguemos tanto às supérfluas “necessidades” criadas pelo mercado. Não nos deixemos levar, pelo menos não sempre, pelo poder da publicidade a ponto de acharmos que nossos filhos “precisam” sempre de mais um brinquedo para aí sim terem com o que brincar. Não é necessário tanto.

E sabe por que? Segundo a especialista Maria Angela Barbato Carneiro, autora das respostas do artigo que selecionamos pra esta semana, porque ‘Também é preciso brincar sem brinquedos’.

Boa leitura

Um beijo

Andrea e Anna

‘Também é preciso brincar sem brinquedos’, diz especialista em educação. Para coordenadora do Núcleo de Cultura e Pesquisas do Brincar da PUC-SP, esconde-esconde é a brincadeira favorita das crianças

POR ANDREA FREITAS 05/10/2014 6:00

RIO – Muito antes do surgimento da indústria de brinquedos, as crianças já reproduziam o mundo adulto em suas brincadeiras, como forma de se inserirem social e culturalmente no mundo. Atento às mudanças na sociedade, esse mercado já oferece até celulares de brinquedo para bebês. Apesar disso, o esconde-esconde e o pique continuam sendo as brincadeiras favoritas das crianças, que têm a necessidade de, num mundo cada vez mais conectado, brincar sem brinquedo, afirma Maria Ângela Barbato Carneiro, coordenadora do Núcleo de Cultura e Pesquisas do Brincar da PUC-SP.

O mercado de brinquedos está em mudança. Enquanto a Barbie cai, o Lego cresce. O gosto da criança está mudando?

Acredito que haja duas explicações para a queda nas vendas da Barbie: uma menor exposição na mídia e o fato de todo mundo já ter, de não ser uma inovação. A Barbie é uma boneca que se repete, sem possibilidades de mudança. Seu tempo de duração já se esgotou e as meninas optam por outras. Já o Lego permite que a criança crie outras coisas a partir das peças, o que nem sempre é possível com outros brinquedos. Além disso, os blocos permitem que a criança fantasie, imagine, dê significado próprio a sua criação em vez simplesmente aceitar algo imposto por adultos. É isso que o torna tão atrativo.

Essa possibilidade de imaginar pode explicar sucesso como as bonecas Monster High?

O mercado está sempre pensando em novos produtos, que virem alvo de consumo. Os monstros têm feito parte do imaginário infantil. É possível que um dos motivos seja seus superpoderes, que permitem imaginar mais. Mas é inegável que a exposição da Monster High na TV fomenta o consumo. Ter um determinado brinquedo confere um status social. E isso é importante para a criança. É a ideia do eu tenho, eu posso.

Entre as preferências das crianças estão brinquedos atrelados a franquias de sucesso na TV e no cinema. O melhor exemplo é das princesas Elsa e Anna de “Frozen”, além dos heróis da Marvel. Por quê?

A indústria de brinquedos não funciona sozinha, mas dentro de uma indústria cultural. A mídia exerce um poder incrível sobre a criança. Ela faz com que, mesmo não tendo o objeto, a criança imagine situações. Ela também fomenta o consumo. Se voltarmos à questão do Lego, por exemplo, o crescimento também pode ser explicado pela maior exposição da marca na mídia com filme “Uma aventura Lego” e em desenhos na TV.

Qual é a importância dos pais e da escola na apresentação e valorização de brinquedos mais tradicionais?

Pais e escola têm trabalhado esse ponto. Mas entre Disney, Beto Carrero, Monteiro Lobato e Luís da Câmara Cascudo, as crianças vão preferir a Disney. Se perguntar a uma criança de classe média para onde quer viajar, a resposta será Disney. Escolas e pais não têm os recursos de sedução da indústria cultural, como tela, som, imagem. Não dá para vencer isso. É preciso trabalhar em paralelo, tentar equilibrar, oferecer outras opções. Nossa classe média se espelha nos EUA, diferentemente da europeia, que valoriza as influências locais.

Os meninos de hoje também brincam de cozinhar e as meninas, de arco e flecha, de dirigir. O que mudou?

O mundo mudou. E essa mudança afetou principalmente os grandes centros urbanos. Os novos papéis do homem e da mulher na sociedade interferem nas brincadeiras. E isso tem levado também as famílias a repensarem a questão do gênero. Se a mãe dirige, a menina quer brincar de carrinho. Elas brincam de tudo hoje, só não usam as fantasias dos super-heróis. Se o pai cuida das crianças, o menino também brinca de boneca, no papel paterno ou do avô, por exemplo. Os meninos pequenos adoram as bonecas bebês. Com elas podem exercitar o cuidar. A indústria de brinquedo está sempre estudando seu mercado. Afinal, tem que vender. E está bem avançada nesse sentido. Acho isso muito positivo, embora ainda haja muito preconceito em relação à cor do brinquedo. Já vi pai proibindo o filho de andar em uma bicicleta pelo fato de ser rosa.

Jogos de tabuleiro que foram sucesso no passado estão nas prateleiras das lojas de brinquedos…

Tem havido um resgate dos jogos de tabuleiro. Isso é sazonal. Eles ressurgem normalmente com novas regras, já que as versões mais antigas eram mais demoradas e acabavam fazendo com que algumas faixas etárias perdessem o interesse pelo jogo. Hoje, se chega ao final mais rápido. E isso também está ligado a uma estratégia de vendas. O ponto positivo é que o jogo de tabuleiro permite uma maior relação pessoal e afetiva, estar junto, olhar no olho, observar as emoções. Isso ajuda a aumentar a proximidade e a afinidade entre pais e filhos.

Os jogos eletrônicos são os vilões dos brinquedos?

Do ponto de vista da cultura, não é possível alienar a criança. Elas precisam ter acesso aos eletrônicos. O problema está no excesso de tempo dedicado a esses aparelhos, que impede que a criança se desenvolva em outros aspectos. A fusão entre brinquedo físico e eletrônico, como inserir um personagem num aplicativo para tablet, pode ser boa ou ruim, depende das possibilidades de criação que ela oferece, por exemplo. Para a criança se desenvolva harmonicamente, é preciso usar o corpo, imaginar situações, explorar outras linguagens, como a musical, a artística a corporal.

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E o que a exposição excessiva a aparelhos eletrônicos e à internet pode causar?

Já há pesquisas que mostram registros de estresse infantil por falta de brincadeira. A obesidade em crianças por falta de movimentação e dieta inadequada também é uma realidade. Isso também leva a uma lógica que é mais competitiva do que colaborativa. As crianças acabam não se olhando, não interagindo. O bullying via computador é crescente e tem a ver com esse anonimato, essa possibilidade de não se identificar, não se olhar.

Do que a criança do século XXI necessita?

É preciso também brincar sem brinquedo. Tenho resgatado isso com educadores e eles depois dizem como é bom. A imaginação da criança é muito prodigiosa. Há um movimento para recuperar essa chamada brincadeira tradicional, subir na árvore, correr, ir para a rua. Posso afirmar que o esconde-esconde é a brincadeira predileta para meninos e meninas ainda hoje. Se há gritaria, via de regra é esconde-esconde ou uma das variações de pique. Eles certamente estão se divertindo.

Mas ir para a rua ou descer para o playground com um brinquedo é ruim?

Não. O brinquedo pode fazer o papel do chamado objeto transacional, que facilita a ida de um espaço conhecido para um desconhecido. O brinquedo pode fazer parte da brincadeira ao ar livre. Mas perde o sentido descer levando um tablet e ficar só jogando nele. É preciso usar o espaço, brincar com as folhas, perceber os cheiros, os sons, o corpo.

Fonte: http://glo.bo/1lMijYB

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